Artigo | Brasil, eventos de 2020 e Carnaval de 2021: perspectivas

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Por Marcus Quintanilha Filho

Não procuro, nesse texto, fazer previsões. Nem me arrisco a tecer um determinado cenário, frente ao Covid-19. O substrato do texto é uma inclinação reflexiva que compartilho com o mercado de eventos, tão fortemente afetado pelo coronavírus.

Como prelúdio, temos considerações amenas: no sentido estrito, o desejo reprimido de socialização consta como fator de esperança para o segmento de eventos. Partindo da visão holística – não somente pela soma das partes – é pouco provável que mude o desejo de consumir viagens, por exemplo. Faz-se importante delimitar elos, por não termos uma base histórica pandêmica, para que possamos extrapolar o setor em si, com objetivo de construir um cenário mais claro sobre o próximo semestre.

Ainda nesse contexto, os cruzeiros marítimos podem ser mais afetados, como exemplo, no entanto as pessoas não deixarão de visitar um museu, num primeiro estágio, dentro de protocolos de saúde. Essa é uma percepção sobre um cenário possível, com o retorno parcial da normalidade, em breve. Uma linha tênue também estabelece a relação com os shoppings centers, afinal, podem ser considerados grandes pavilhões de eventos diários.

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A primeira linha de reflexão é que não teremos uma rotina plenamente normalizada, mas parcialmente, mesmo na visão mais otimista. Para aqueles que ratificam em dizer que não se pode prever nada, faço aqui um alerta para seu dever de casa: leitura e pensar fora da caixa. Então temos a primeira base para qualquer planejamento de eventos: não será um “cópia e cola”, mas isso não quer dizer que não existam formas, com criatividade.

Avaliações sistêmicas econômicas, em especial de tendências macroeconômicas, não podem nortear rumos agora. Não para o setor de eventos. Até porque temos exemplos de países com dívidas muito superiores ao seu PIB – que não é o caso do Brasil – com eventos e turismo em total aquecimento anteriormente ao COVID-19. Acredito que o viés de análise é microeconômico, oferta vs demanda. Muito mais restrito ainda: como será a dinâmica do mercado de eventos no Brasil em 2020 e 2021?

Vamos elencar as medidas atuais para tentar criar um alicerce de reflexão para o nosso setor. Vejamos, portanto, o CDC – Centro de controle e prevenção de doenças americano, que norteia a nossa primeira impressão:

“Large events and mass gatherings can contribute to the spread of COVID-19 in the United States via travelers who attend these events and introduce the virus to new communities,” the CDC said in its new guidelines.

Ou seja: a resistência aos eventos e aglomerações é a grande afirmativa nas políticas mundiais, desde março e permanecendo atual. A segunda vertente a ser considerada é a divisão quantitativa dos eventos: temos espaço para eventos de 100 ou 200 pessoas talvez, mas não para 5.000 pessoas. Pelo menos sem uma vacina ou redução drástica da doença.

Começaria explanando sobre os eventos juninos no estado da Bahia – foco do texto, mas não excludente da realidade de outras regiões, pelo Brasil – mas como todos foram cancelados, vamos nos ater ao próximo marco de destaque em nosso segmento: as olimpíadas de Tóquio de 2020. Em sua 32ª edição, a previsão era de que 11 mil atletas, de pelo menos 204 países, disputassem os Jogos, distribuídos por 33 esportes. Mas foram adiadas para 2021. Lembro ainda, que iriam acontecer entre os dias 24 de julho e 09 de agosto. Vale ressaltar que as Olimpíadas só foram canceladas duas vezes antes do Covid-19: nas grandes guerras mundiais. Portanto, a menos que algo mude drasticamente, passamos até agosto sem eventos comerciais tradicionais de porte.

Vale ressaltar, pelo viés mais conservador, que, em algumas previsões do comportamento social pós-pandemia, as pessoas levarão um “tempo” para voltar a frequentar lugares com grandes aglomerações e, mesmo aquelas que forem a shows, tomarão precauções, como o uso de máscaras e distanciamento físico, que podem reduzir boa parte da demanda. Apesar de não sabermos quando esse “start” – do livre “ir e vir” – vai acontecer, podemos também prever que teremos um período pós-traumático que afetará boa parte do setor.

Por outro lado, Ruy Castro lembra em seu recente livro, “Metrópole à Beira Mar”, como o carnaval do Rio de 1919, o primeiro após a epidemia de gripe espanhola que matou cerca de 100 milhões de pessoas, acabou se tornando “a festa da vida, o desbunde dos confinados, a desforra dos sobreviventes”.

Então, temos sim uma dicotomia! Nossa percepção precisa estar aberta aos dois extremos nesse momento delicado do setor. Faço aqui um contraponto, trazendo as opções ainda não exploradas ou pouco exploradas. As empresas de eventos precisam se conectar com seus públicos-alvo: projetando eventos, envolvendo-os ao longo do tempo, dure o quanto durar, para gerar receita e também levar entretenimento para as pessoas. O que sugiro é usar essa demanda reprimida da socialização ao invés de lamentar debruçados em planilhas. Por que não criar um envolvimento fora das redes sociais tradicionais para eventos maiores? Porque não esquecer um pouco os “inputs” de receita e despesa e demonstrar empatia e criar eventos atemporais? Fica a reflexão para o leitor.

Voltando à linha do tempo, o próximo marco do entretenimento é o Reveillon. Uma dúvida que vale à pena nossa pausa. Teremos eventos comerciais de Reveillon? A resposta será dada pela história. Mas podemos, desde já, buscar um cenário projetado para a “virada do ano”: a maioria das consultorias de turismo já indicam para que “as decisões sobre o Reveillon sejam tomadas à partir de setembro/2020”. Outras questões são tratadas aqui de forma marginal, mas que afetam diretamente o evento: viagens internacionais devem ficar de fora do roteiro, a queda da renda deverá trazer clientes mais atentos ao preço dos tickets e a necessidade de estar “junto” dos parentes, em família. Por outro lado, artistas estarão mais flexíveis em seus cachês e teremos (talvez) uma grande parcela de jovens dispostos a “curtir” fora do mundo “on line”.

Sabemos, no entanto, que um evento como o Reveillon é extremamente arriscado, em qualquer cenário. Mesmo em momentos de normalidade, é sem dúvidas, o modelo de negócios em eventos mais difícil de se prever, tanto no que tange as receitas como as despesas. Não podemos deixar de incluir, ainda, em nosso planejamento estratégico a realidade de que: com a chegada do coronavírus e cancelamento de voos, o fechamento de hotéis, além dos restaurantes – fortemente afetados pela crise – vão impactar nas decisões sobre o período do Reveillon – além da oferta dos serviços atrelados ao turismo.

Medina, por outro lado, acertou que o RiR (Rio) será em setembro de 2021, mas o de Lisboa, que seria no mês de maio, foi adiado para junho de 2021. Mais um exemplo norteador temporal para o calendário de eventos comerciais.

Sófocles, dramaturgo grego, escreveu há 2.500 anos: “A tristeza também provoca doenças.” – respaldo filosófico para uma possível retomada aquecida do entretenimento e da alegria. Desejemos que sim! Mas não podemos deixar de avaliar de forma imparcial o cenário que se desenrola em nossa frente.

Reafirmado o paradoxo, seguimos em nossa cronologia com a fixação da alegria em nosso país: o Carnaval. Fiz-me fiel e atento ao acordo de não interferir com opiniões pessoais e, apesar de desejar muito sugerir sobre o evento marcado de 11 a 16 de fevereiro de 2021, não o farei aqui. Como proposto, o foco não será o evento de forma global, mas a avaliação do mercado comercial, em especial, blocos e camarotes. Vamos começar avaliando as intervenções políticas. Óbvio que haverá um movimento significativo para que o Carnaval aconteça. Esse fato foi visto pelas informações do secretário de saúde do Estado da Bahia em 13 de fevereiro: “O novo coronavírus não mete medo”.

Pelo menos não naquele momento!

O Carnaval seria, portanto, o evento ainda incerto em nosso calendário, mas com maiores chances de acontecer e trazer resultados positivos para o mercado de eventos no Brasil.  Em especial, na Bahia, precisamos avaliar não apenas se vai haver “Carnaval”, faz-se necessário avaliar se vamos “bancar” o carnaval ou não. Entendam que a reflexão é mercadológica e não cultural. Vamos ter patrocinadores? O folião vai pagar o preço que pagou esse ano pelos tickets? São perguntas que os executivos e empresários precisam fazer, até porque, diferente do que muitos pensam, existem altos riscos e um resultado líquido bem próximo de um dígito percentual.

Uma outra avaliação não menos relevante é: teremos hotelaria funcional? A que preço? Esse setor é fundamental para uma experiência agradável do cliente de blocos e camarotes – sendo 70% “de fora de salvador”, em geral. Precisamos unir esses dados muito mais do que questionar se vai ter o evento “cultural” carnavalesco. Esse pode sim existir, até em ambiente virtual, ou com o trio passando sem público nas ruas, pago talvez pelos cofres públicos.

Por fim, vamos nos concentrar na realidade e viabilidade de nossos projetos, custos mensais, prazos e operações. Devemos ter em mente o percentual de retorno dos eventos e o custo de não os ter e não menos importante: estejamos prontos para viver uma gincana ainda maior, caso tenhamos a retomada dos eventos, sem coronavírus.

Autor: Marcus Quintanilha Filho – escritor, gestor executivo de eventos e pesquisador em comunicação e ciências sociais. Outros conteúdos como este você encontra em www.portalradar.com.br/coronavirus