Espaços públicos e a Gestão da “Paulicéia Desvairada”
Recentemente foi divulgado o projeto final de reforma do Vale do Anhangabaú pela atual gestão da cidade de SP. Gostaria de aqui fazer uma análise técnica pois percebi que existiu um “politização” em relação a um tema tão caro a nossa cidade, a utilização de espaços públicos.
São Paulo, como todos sabem, possui um DNA voltado ao turismo de negócios. Não temos atributos físico/naturais para atrair turistas a nossa cidade. Temos sim uma ótima estrutura voltada para o meio-ambiente especializado no turismo de negócios. Ótimos hotéis, gastronomia e entretenimento, somo um HUB aéreo que facilita conexões e não menos importante temos excelente venues para receber eventos corporativos com foco em negócios.
Tudo isso vai bem. Mas existem alguns pontos de inflexão:
1) Concessão do Anhembi a iniciativa privada é muito bem vinda desde que as devidas reformas ou eventuais atualizações no padrão construtivo possam ser feitas. É impensável termos uma venue criada nos anos 70 sendo utilizada no século 21 sem muitas atualizações
2) Concessão do Ibirapuera Constancio Vaz Guimarães (ginásio e outras instalações esportivas ao redor ) também vem em bom momento em uma cidade que pode explorar ainda mais o seu DNA de eventos/negócios ao oferecer uma estrutura coberta com capacidade para 20 mil pessoas! Grandes congressos ou reuniões empresariais de grandes corporações precisam de espaços assim. Ou seja, existe uma visão no poder público do propósito que a nossa cidade pode ter em relação ao mercado de eventos, shows e competições esportivas. Mas temos uma situação delicada com o nosso vale!
Cidades ao redor do mundo tem uma relação muito mais consistente entre os espaços públicos e o setor de eventos. Pensa no Rio de Janeiro fazendo a festa de réveillon na praia de Copacabana! Quem mora lá na frente da praia deve reclamar do que acontece em uma noite por ano? Não quero aqui entrar no mérito desta discussão, pois quero reforçar o meu ponto que a PMRJ acredita que o evento induza a economia da cidade com este evento e autoriza todos os anos esta utilização através de parcerias com a iniciativa privada. E o réveillon do Rio de Janeiro já esta entre os maiores eventos mundiais.
Mas é assim também com Paris que todos os anos “cede” o uso da avenida Champs Elysee para a realização da etapa final do Tour de France. Quem organiza o evento é uma empresa privada chamada ASO. E a cena de premiação do Tour é um dos mais bonitos “photo opps” do mundo com o arco do triunfo ao fundo. E a cidade ganha exposição mundial como um local saudável e ativo (atributos relacionados a atividade esportiva!) E por ai vai, cidades tem um alto interesse em oferecer a infra estrutura ou a gestão para realização de grandes eventos.
É na verdade quase uma competição em si entre grandes cidades para saber quem oferece a melhor infra estrutura. Seguindo este meu raciocínio os eventos então devem ser vistos como algo POSITIVO para as cidades. Lógico que sempre existem pessoas contrárias a realização de qualquer evento nas proximidades pois não querem alterar o seu status quo. Mas cabe a gestão pública dirimir estas diferenças achando um denominador comum. Reveillon na Avenida Paulista? Existem muitos hospitais na região, o que fazer? Não fazer nada? Fazer pequeno e sem infra? Não colocar fogos de artifício eu acho que é uma forma tentar de buscar este consenso.
E por ai vai… MAS E O VALE DO ANHANGABAU?
Nosso vale no centro da cidade já sofreu várias “mutações” na evolução cosmopolita da nossa metrópole.. Já foi sim um bucólico vale com rio e árvores as margens. Já foi um grande estacionamento de carros de funcionários das empresas ao redor. Já teve um “Buraco do Ademar” para ajudar no fluxo do nosso transito louco. Nos anos 90 foi alvo de uma reforma em projetos dos renomados Jorge Wilheim e Rosa Kliass.
Neste contexto evolutivo e mutante a atual gestão da nossa cidade definiu uma outra visão ao local. Acertadamente eu creio. Hoje não existe um local apropriado para realização de grandes aglomerações de pessoas (lógico que só devemos ter aglomerações quando a pandemia terminar ou a vacina for totalmente universalizada) na cidade de São Paulo. Avenida Paulista? E os hospitais e a interrupção do transito por horas na região? Praça Campo de Bagatelle? Não possui a proximidade ideal dos pontos de escoamento de pessoas (estações do metro por exemplo).
Autódromo Interlagos?
Difícil acesso pelas vias locais para grandes quantidades de pessoas, precisa de muita gestão no tráfego para funcionar bem. Aonde mais? Qual é a nossa “praia de Copacabana”?
Podemos reduzir esta questão em não fazendo nenhum evento de grande porte na cidade. Eu não creio que seja uma opção viável. Em especial depois de 50 anos posicionando a cidade como uma referência de realização de eventos no hemisfério sul, liderança na América Latina.
Ou exploramos o nosso DNA ou alguém vai fazer isso por nós….
Eventos são comprovadamente indutores da economia da cidade “host”.
Os valores são grandes. Podemos busca-los ou podemos não busca-los….
É uma escolha.
Entendo que em um país com enormes deficiências de serviços públicos e atributos básicos da sociedade como educação e saúde a discussão sobre aonde investir os recursos públicos apareça e seja válida. Mas na minha humilde opinião na cidade de São Paulo não falamos de falta de recursos e sim como geri-los o principal ponto. Fazer a escolha de definir o Vale do Anhangabaú como um local para receber aglomerações e eventos de todos os tipos eu acho que é uma escolha correta. Fortalece o DNA da cidade.
A mutação do local em um local de “passagem” (projeto dos anos 90) para um local ”destino” (projeto atual )é uma escolha corajosa e deveria receber o apoio de todos paulistanos que conhecem e entendem esta nossa “paulicéia desvairada”. A crítica “rasa” sobre retirada de árvores (não conheço o projeto a fundo para opinar) acho que não leva em conta que debaixo do piso existe um túnel. São Paulo precisa saber dialogar melhor com os diversos setores aqui instalados. O de eventos é um dos setores existentes.
Ter uma visão sobre os espaços públicos e a sua real utilização pela população um ponto fundamental de discussão ampla. Uma pena ver um projeto estruturante como esse ser alvo de críticas políticas. Nós Brasileiros na ânsia de vermos a situação melhorar as vezes “atropelamos” o bom senso. Discussões estratégicas como essa (qual a função de alguns espaços públicos na nossa cidade?) deveriam ter uma ampla gama de participação com visões de longo prazo e não com visões da próxima eleição.
Devemos requalificar o centro de São Paulo? Mais pessoas poderiam morar e trabalhar na região? Eu acredito que sim… e um local “destino” como o proposto é com certeza um vetor positivo nesta direção. Mas lembrando que podemos não fazer nada. Ficar reclamando de qualquer iniciativa.
O diálogo sociedade + governo em relação aos espaços públicos da nossa cidade é uma atividade que precisa de muito impulso. Existe muito potencial latente disponível e que se bem pensado e gerido pode trazer muitos benefícios aos Paulistanos como eu!
Contem comigo nesta discussão!