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Harper Lee trouxe à tona a discussão racial pelo ponto de vista de sua personagem principal e seu pai em seus dois livros. Primeiro em “O sol é para todos”, retratado no sul dos EUA de 1930 e depois em “Vá, coloque um vigia”, que se passe em 1950. Em ambas as narrativas o mundo é injusto e cruel com os negros.

Harper Lee chegou ao fim da vida em um asilo, surda, entravada em uma cadeira de rodas e com demência. Talvez tenha sido melhor assim, já que não concluiu com sucesso sua luta contra o racismo que habita em nós.

Se for para estar viva, que seja sem a consciência de toda barbaridade racial que vivemos.

Em “O sol é para todos” existe uma moral racial polida e límpida em Atticus Finch, que desmorona 20 anos depois em seu segundo título “Vá, coloque um vigia”. Neste segundo uma verdadeira batalha intelectual, de ideais em um diálogo dinâmico e inteligente entre pai e filha que vivem em polos opostos. Jean Louise que não consegue ver a influência da cor no caráter contra Atticus Finch que acredita que eles são um atraso social e econômico para a cidade.

A voz racista, e tão sutil, de Atticus Finch tem ecoado por décadas a fio. Ainda que em condições melhores que de antes, ainda vivemos um pesadelo racial extremamente cruel, que não se distancia muito de Hitler, Klu Klux Klan ou qualquer outra iniciativa de aniquilação. Apenas não mais aniquilamos seus corpos, mas sim suas almas.

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“Para mim é um mistério como eles são tão bons depois de séculos sendo sistematicamente negado a eles o direito de se considerarem humanos” Jean Louise

O ponto alto do livro, que me fez pensar sobre toda nossa realidade, foi a sequência de argumentos aplicados pelo pai para justificar suas atitudes racistas. Segue…

“Jean Louise, já parou para pensar que não pode haver um grupo de pessoas atrasadas vivendo no meio de pessoas avançadas.

(…)

Você concorda que nossa população negra é atrasada, não concorda? Concorda que a maioria dos negros do Sul não tem condições de assumir totalmente as responsabilidades da plena cidadania?

(…)

Para Jefferson, um indivíduo não deveria poder votar só por ser um indivíduo. Precisa ser responsável.

(…)

Se os votos dos negros superassem os dos brancos, haveria negros em todas as instâncias administrativas do condado. Você gostaria que o seu estado fosse governado por pessoas incapazes de governar?”

Hoje, 70 anos depois, o que Atticus Finch mais temia aconteceu. Ainda que com um equívoco cromático, mas a essência de sua tese estava absolutamente correta. Temos um imenso rebanho que rumina diariamente seu ódio e que, irresponsavelmente, elegeu o que a supremacia branca tinha de mais inútil, irresponsável e sujo.

Consigo concluir que é um problema político de caráter e não de cor.

 

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Photo by Andrew Seaman on Unsplash