Ainda que sob a pressão da família para assistirmos ao filme de sábado a noite, enfrentei a oposição e coloquei na CNN às 21 horas em ponto. Tão logo começou o programa em que trazia Nizan Guanaes para uma sabatina de perguntas.
“No mundo existem aqueles que choram. Eu vendo lenços.” A icônica frase atribuída à Nizan, que dá nome à sua biografia não ficaria de fora da pauta. Em uma despretensiosa pergunta, parafraseando o publicitário, surge a questão: “Nessa crise, estamos em tempos de vender lenços?”, disse a repórter. Já estava familiarizado com o livro, entendia o propósito da pergunta e ansiava por uma resposta que nos traria de volta à luz. Apresentaria a todos nós os caminhos da inovação e novas oportunidades. A salvação do Brasil estava ali, diante dos meus olhos. Mas não…
Com a gentileza de um inglês e a energia de um baiano, ele a interrompe.
Nesse momento nasce para mim o ser humano por trás de todos os feitos corporativos. Nizan ressignifica e demonstra o quão grosseiro e errôneo é fazer essa citação no momento em que ultrapassamos os 30 mil mortos e mais de 600 mil contaminados. Ele me deu uma aula de humanidade. Contextualizou e recolocou os pingos nos ís. Era o momento perfeito para uma dura crítica ao oportunismo corporativo e à nova geração de empreendedores que lutam pelo primeiro milhão de dólares e um humilde espacinho na NASDAQ.
É de uma insensibilidade sem precedentes se preocupar com algum tipo de ganho às custas de tal condição humana. Importante deixar claro que a crítica pontuada aqui é contra essa busca desenfreada por apresentar novas soluções para nossas vidas. Tentar recriar um novo modelo de mundo enquanto o mundo clama apenas por uma renda mínima, máscaras limpas, água e sabão.
As expectativas das pessoas são outras, ninguém nesse momento precisa vender lenços. Ao final da pandemia irão se perguntar: “O que as marcas fizeram por mim?”
A solução agora é a solidariedade. Não somente o assistencialismo, mas a capacidade de compreender a real necessidade do outro. Entender que enquanto gritam fiquem em casa, muitos não tem casa. No momento em que pedem para lavar as mãos, outros não possuem água. Enquanto pedimos o distanciamento social, famílias com 5 pessoas dividem um cômodo de 5m2. Enquanto sussurram “Fiquem bem, vai passar”, a humanidade chora em sua ansiosa e depressiva agonia.
Passamos por uma distorção da realidade e falta de compreensão quanto às necessidades básicas. Ficar em casa e manter uma higiene adequada é óbvio que é necessário, essa é a única forma de controle do vírus. Mas em quais condições de higiene vivem a maioria da população? Quais suas condições econômicas? Seria possível uma ajuda de 600 reais ser capaz de subsidiar a sobrevivência de uma família? E o pequeno empresário que passa por maus bocados com tudo isso?
Todo caos me fez refletir sobre uma possível condição. Fantasiosa talvez, mas possível.
Vamos tirar o coronavírus. Faz de conta que ele nunca existiu. Vamos voltar à vida normal e esquecer esse papo de lave as mãos, fique em casa, use máscara e distanciamento social.
Pronto!
Feito isso revisitamos aqueles que não têm casa, passamos por aqueles sem água e damos uma espiadinha na família de Brothers com 15 pessoas nos seus 5m2. Concluímos que, fantasiosamente, a única coisa que mudou foi a ausência do nosso péssimo inquilino, o Covid19. O resto permanece como antes.
O problema definitivamente não é o isolamento social. Ele apenas escancara o quão miseráveis somos todos, uma vez que a única coisa que tínhamos antes da pandemia era o direito de ir e vir. O restante continua igual, em falta, como sempre foi.
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