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Os gênios ainda estão vivos

Minha humilde crítica à Mr. Robot.

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Despretensiosamente movo o cursor da plataforma de streaming e me deparo com Mr. Robot. Aparentemente mais uma série com todos os ingredientes básicos para o sucesso. A famosa jornada do herói, o romance impossível, os amigos e demais personagens que pontuam em todo trajeto. Mas não! Desde o primeiro episódio ela demonstra ousadia.

Narrativa absurdamente não linear. Cortes desconexos e uma dinâmica claramente retirada dos clássicos de Danny Boyle e Darren Aronofsky – “Trainsppoting” e “Réquiem para um sonho”, respectivamente. Pegue tudo isso, bate por muito tempo e acrescente uma generosa pitada de múltiplas personalidades e batalhas psicológicas. É isso. Mr. Robot.

Talvez não nessa ordem, mas esses quatro pontos serão nitidamente vistos enquanto Elliot Alderson te conduz em um passeio pelos códigos e criptografias de seu universo hacker. (1) A fotografia com seus enquadramentos subversivos e icônica plasticidade. (2) Construção dos ambientes e background que geram uma distorção da realidade e tempo em que se passa. (3) Uma nova forma de construir a jornada do herói entre o mundo real e o mundo especial. (4) A capacidade de se ater ao verdadeiro objetivo da série, sem se desconcentrar da mensagem principal.

Pedro Almodóvar, em uma de suas entrevistas, disse que um eventual erro é apenas um erro, mas uma série de erros propositalmente organizados se tornam um verdadeiro estilo. É exatamente isso que Sam Esmail, diretor da série, faz. Subverte as regras básicas da fotografia cinematográfica e constrói sucessivos enquadramentos sufocantes, que nos deixam aflitos. Como por exemplo, nos diálogos com plano e contraplano em que ele deixa o respiro do lado oposto, mantendo a face do personagem voltada para o limite da tela. Desesperador.

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A trama se passa nos dias atuais, mas conforme a história se desenrola cria-se uma nova atmosfera. Uma distopia que nos leva às obras de George Orwell e Aldous Huxley, respectivamente “1984” e “Admirável Mundo Novo”. Um comportamento futurista muito surreal, que nos faz crer que o século 21 se passa na década de 70 ou 80 – vide o outdoor em um dos episódios finais que temos uma estética oitentista.

Uma série de artifícios de linguagem que nos move sutilmente através do tempo, sem que percebamos.

A jornada do herói é um conceito básico para roteiristas: (1) Os heróis são apresentados ao mundo comum, (2) recebem um chamado para a aventura. (3) Relutam, mas (4) são encorajados por um mentor a (5) atravessar a ingressar no mundo especial, onde (6) encontram testes, aliados e inimigos.(7) Os heróis se aproximam da caverna íntima, onde (8) sobrevivem à provação. (9) Conquistam a recompensa e (10) voltam ao mundo comum. (11) Passam pela transformação da experiência. (12) Retornam com o Elixir – uma dádiva do qual se beneficiam no mundo comum. Já no caso de Mr. Robot, pegue o item 1, troque com o 6, depois substitua o 8 pelo 11 e o jogue fora com toda certeza absoluta o 12. Mais ou menos isso.

Todos os ingredientes citados acima já seriam suficientes para terem meu prestígio – se é que ele vale alguma coisa. Mas de longe, o que mais se destacou foi o roteiro. A não linearidade como a trama ocorre. Os diálogos inteligentes e bem elaborados e o mais importante, a forma como tudo é contada, mesmo dentro de toda complexidade a trama não desrespeita nossa inteligência.

Coisas óbvias não precisam ser ditas. Cabe ao espectador usar seu juízo de valor.

Ao chegar ao final da série percebemos como muitas coisas ficaram sem respostas, mas em uma reflexão simples e ponderada, entendemos que aquelas situações não precisavam de soluções. O verdadeiro dilema fica sob nossa responsabilidade de interpretação. Essas sutilezas tornam a viagem pelo mundo de Elliot e Mr. Robot um deleite para nosso cérebro.

Saímos da jornada cansados mentalmente e emocionalmente abalados pelas incertezas que ficam. Porém, nos damos conta de que elas são irrelevantes, afinal não fazem parte que Sam Esmail realmente queria nos contar.

 

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