“A tempestade vai passar. Mas as escolhas que fizermos agora podem mudar para sempre o futuro das nossas vidas e dos nossos Eventos”
Por Juan Pablo De Vera, CEM
Alguns dias atrás tive a oportunidade de ler um artigo titulado “The world after Coronavirus” (O Mundo após o Coronavirus) publicado pelo jornal britânico Financial Times e de autoria do prestigioso Yuval Noah Harari. Para quem não reconhece o nome, ele é o autor dos best-sellers Sapiens: Uma breve história da humanidade, e também de Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã. As suas obras já venderam mais de 12 milhões de exemplares em 45 idiomas diferentes. Com seu último lançamento: 21 Lições para o Século 21, o autor afirma que tem como objetivo responder à questão: “o que está acontecendo no mundo de hoje, qual é o sentido mais profundo desses eventos e como podemos individualmente nos guiar através deles?”. Yuval Harari também é Professor no departamento de História da Universidade Hebraica de Jerusalém.
O texto me ajudou a ter uma nova perspectiva sobre as escolhas que todos teremos que fazer nesta crise mundial. O texto também me permitiu refletir sobre os impactos do COVID-19 e, mais importante ainda, sobre como nossas escolhas vão afetar os eventos ao redor do mundo. Também me trouxe algumas reflexões sobre quais serão as alternativas para que nossa indústria de Eventos demonstre todo seu potencial e, que uma vez mais na história da humanidade, as feiras e eventos se apresentem como a ferramenta mais efetiva para a retomada das relações humanas, culturais, corporativas e de negócios.
Foi com essa ideia que decidi escrever este texto: tentando fazer um paralelo entre o artigo do Porfessor Harari e a nossa realidade no mercado de eventos. Este material tem como objetivo contribuir para provocar uma discussão e reflexão sobre o impacto COVID-19 na indústria de eventos, avaliar como podemos colocar nossa indústria de eventos ao serviço do futuro da humanidade, e pensarmos juntos como devemos agir para sairmos desta crise sendo melhores e ainda mais humanos.
Uma Crise global
No artigo publicado em março de 2020, o autor escreve que se trata de uma crise verdadeiramente global. E que ela mudará não somente nossos sistemas de saúde, mas também nossos modelos econômicos, nossos programas de política pública e nossos processos culturais. Além disso, na minha opinião, mudará também a maneira como organizamos e participamos de eventos.
Ele também destaca que devemos levar em consideração as consequências de nossas ações a um longo prazo. Ao escolher entre as alternativas, devemos nos perguntar não apenas como superar a ameaça imediata, mas também que tipo de mundo habitaremos quando essa tempestade passar.
Porque precisamos ter certeza de que a tempestade vai passar. A humanidade vai sobreviver, a maioria de nós ainda estará vivo depois disso, mas habitaremos um mundo completamente diferente.
Não estamos vivendo tempos normais
As decisões que, em tempos normais, podem levar anos de deliberação, estão sendo aprovadas hoje em questão de horas. E essa é a natureza dos momentos emergenciais. Tecnologias imaturas e até perigosas são postas em uso, porque os riscos de não fazer nada são ainda maiores. Países inteiros servem como cobaias para experimentos sociais em larga escala. Em tempos normais, governos levariam anos para aprovar ajudas financeiras a pequenas empresas, empresas discutiriam durante anos com sindicatos e legisladores para aprovar novos modelos de contratos de trabalho, e os conselhos educacionais nunca concordariam em realizar experimentos massivos de educação a distância, sem ter pelo menos alguns ciclos de testes e resultados comprovados.
Mas em momentos de crise como agora, tudo está acontecendo de maneira acelerada, e, por isso, enfrentamos duas escolhas particularmente importantes. A primeira é entre a política da vigilância totalitária e os processos de “empoderamento” do cidadão. E a segunda delas, entre os modelos de desenvolvimento de isolamento nacionalista e o de solidariedade global.
Vigilância constante
Hoje, pela primeira vez na história da humanidade, a tecnologia tornou possível monitorar todos os cidadãos de uma cidade ou de um país inteiro. Países como China e Israel conseguiram grandes avanços na luta contra a epidemia, monitorando seus habitantes o tempo todo. A epidemia pode, no entanto, marcar um divisor de águas importante na história da vigilância do estado sobre as pessoas. Ainda mais porque significa uma transição dramática de programas de vigilância em massa focados em saber o que cada pessoa fazia, para um novo modelo de vigilância, agora focado em saber o que acontece dentro do corpo dessas pessoas.
A desvantagem é que isso pode dar legitimidade a um novo e aterrador sistema de vigilância constante. Agora, com ajuda dessas novas tecnologias, o governo pode querer saber a temperatura do seu dedo e a pressão sanguínea sob sua pele. Mas, com essa mesma tecnologia, o governo ou até uma empresa privada, poderá não só monitorar o que acontece com a temperatura do meu corpo, minha pressão arterial ou meus batimentos cardíacos, eles poderiam também aprender minhas reações e emoções, o que me faz rir, o que me faz chorar ou o que me deixa zangado. Como isso poderá ser usado para os interesses desses governos ou dessas empresas?
Novas Tecnologias
Eu sou totalmente a favor do uso de novas tecnologias para monitorar minha temperatura corporal e minha pressão sanguínea, mas acredito que esses dados são exclusivamente de minha propriedade e que, sem minha autorização, eles não devem ser usados para criar um novo modelo de governo “todo-poderoso” ou uma empresa “todo-poderosa”.
Em vez disso, esses dados devem permitir que eu faça minhas escolhas com mais informação, e também me ajudem a melhor entender a sociedade onde vivo, permitindo responsabilizar ao governo da minha cidade, do meu estado e do meu país por seus acertos e erros. Definitivamente, devemos fazer uso das novas tecnologias, mas não devemos nos tornar reféns dos dados. Muito pelo contrário. Eles devem nos empoderar com informações e dados críveis para ajudar nos nossos deveres como pessoas, como profissionais e como cidadãos.
Essas mesmas tecnologias deveriam nos ajudar a empoderar a todos os atores da indústria de eventos. Deveriam nos permitir demonstrar valor aos patrocinadores, ajudar a calcular o retorno do investimento aos expositores, melhorar a experiência dos participantes e nos ajudar a desenhar eventos cada vez mais relevantes e valiosos.
Precisamos recuperar a confiança
Nos últimos anos, líderes do setor privado e políticos, ao redor do mundo, minaram deliberadamente a confiança de seus seguidores, colaboradores e cidadãos sobre os avanços realizados pela ciência, sobre o papel das autoridades públicas e sobre a cobertura feita pela mídia em geral. Uma paralisia coletiva tomou conta da comunidade internacional. Parece não haver adultos na sala. Esperávamos ver, há algumas semanas, um consenso entre líderes globais para elaborar um plano de ação comum. Mas isso não aconteceu.
Agora, esses mesmos políticos e líderes irresponsáveis podem ficar tentados a seguir o caminho do autoritarismo, abusando do uso dessas novas tecnologias para controlar seus seguidores, simplesmente argumentando que não se pode confiar na autonomia e na capacidade dos cidadãos para fazer que as coisas funcionem da “maneira certa”.
No nosso mercado de eventos, poder ser que aconteça o mesmo. Vários empresas e pessoas entraram no mercado de eventos, interessados pelo crescimento global do setor nas últimas décadas, e criaram uma série de dúvidas na performance e na efetividade de eventos. Os mesmos eventos que já são bem-sucedidos a mais de 2.000 anos. Por isso, em vez de permitir que seja construído um regime de vigilância dos governos e das empresas sobre seus cidadãos, clientes e funcionários, esta crise pode ser uma nova oportunidade.
Podemos, juntos, atingir um novo nível de cooperação global, mas para isso precisamos recuperar a confiança das pessoas na ciência, nas autoridades públicas, nas opiniões e críticas feitas pela mídia profissional, e também nas empresas e nos profissionais que podem construir uma nova indústria de eventos.
Solidariedade Global
A segunda escolha importante que todos enfrentamos nestes dias, está entre optar por políticas de isolamento nacionalista ou programas de solidariedade global. Tanto a epidemia em si, quanto a crise econômica resultante, são problemas globais. E, segundo o artigo do Harari, eles podem ser resolvidos efetivamente somente através de uma cooperação global. Eu entendo que isso também se aplica na nossa indústria de eventos.
A solidariedade global é uma grande vantagem que nós humanos temos sobre os vírus. O coronavírus que estava na China e o coronavírus que chegou nos Estados Unidos não conseguem trocar dicas e informações sobre como infectar mais rapidamente aos humanos. Mas a China pode, sim, ensinar aos Estados Unidos muitas lições valiosas sobre a luta contra o coronavírus e compartilhar medidas efetivas para lidar com esta pandemia. O que um médico descobre em Milão no início da manhã pode muito bem salvar vidas em Teerã nessa mesma noite.
Mas, para que tudo isso aconteça, precisamos de um espírito de cooperação e confiança global.
Compartilhar globalmente
Para derrotar o vírus, precisamos compartilhar informações globalmente. Um país rico com poucos casos de coronavírus precisa estar disposto a enviar equipamentos para um país mais pobre com muitos casos de pessoas infectadas, confiando que, quando ele precisar de ajuda no futuro, outros países irão ajudar. Podemos pensar em um esforço global semelhante para reunir médicos. Os países menos afetados poderiam estar enviando suas equipes médicas para as regiões mais atingidas do mundo. Assim, não só estariam ajudando esses países e colegas numa hora de necessidade, como também ajudariam aos profissionais de saúde terem experiências únicas. Mais tarde, essa ajuda poderia começar a fluir na direção oposta.
Hoje, observamos que o mesmo acontece no mercado de eventos. Nossos colegas na China, na Singapura, na Itália, na França, nos Estados Unidos, ou em outros países da América Latina, estão sofrendo os mesmos problemas que nos aqui no Brasil. Alguns deles já encontraram soluções que podem nos ajudar a sair mais rápido da crise, mas ainda não estamos agindo de uma maneira coesa globalmente.
Crise ou Oportunidade?
Nunca deveríamos precisar que uma pandemia acontecesse para que finalmente nos déssemos conta de que a desunião global representa um grave perigo. Se o lugar ocupado pelos líderes nacionalistas de hoje não for preenchido por uma nova liderança global, não só será muito mais difícil interromper a epidemia atual, mas o seu legado continuará envenenando as relações internacionais por muitos anos.
No entanto, toda crise também é uma oportunidade. A epidemia atual pode trazer a todos uma reflexão profunda sobre nossa indústria de eventos no Brasil.
Precisamos fazer uma escolha. Iremos percorrer o caminho da desunião ou adotaremos o caminho da solidariedade global? Se escolhermos a desunião, isso não apenas prolongará a crise, mas, provavelmente, resultará em catástrofes ainda piores no futuro.
Se escolhermos a solidariedade global, teremos uma vitória não apenas contra o coronavírus, mas também contra todas as futuras epidemias e crises que podem ocorrer com a humanidade e a indústria de eventos no século XXI.
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