POR RONALDO FERREIRA JÚNIOR
Onde você se sente mais confortável?
Em épocas de grandes mudanças – como a que estamos passando – é sempre bom entender em que tempo nos sentimos mais confortáveis.
Não que o “conforto” seja o objetivo, mas a partir dessa consciência, podemos entender e potencializar nossos esforços, seja para onde quer que desejamos ir.
E até mesmo, para entender as consequências de ficarmos parados no passado, no presente ou no futuro.
Não pensamos muito nisso, mas cada um de nós de seu jeito único e especial, tem um poder gigante sobre o tempo. Nós somos os grandes protagonistas das coisas boas e ruins que aconteceram no passado.
Somos os responsáveis por tudo o que acontece no presente e somos também os poderosos criadores do futuro.
Claro que parte disso é pura ilusão. De verdade, o único tempo que existe para nós é o presente. E é ele que nos transforma em agentes do tempo. E o que fazemos no presente é tão poderoso, que pode mudar tudo, até mesmo o passado que virá.
É no presente que podemos ressignificar as coisas e agir – questionar o que estamos fazendo aqui, ou porque estamos presos e não agimos em busca de uma sociedade melhor para a gente viver.
Por isso, não faz sentido atravessar o presente de forma passiva, esperando que o amanhã chegue – pois já sabemos que o futuro que virá passivamente, continuará carregado de culturas e leis que alimentam desigualdades, onde nossas línguas continuarão a antecipar nossas mentes – falando sem pensar, coisas que não acreditamos ou desejamos mais.
Exemplo disso, é a forma como lidamos com a política. Não gostamos dela como ela é, e por consequência, nos distanciamos dela no presente.
Já o passado nos mostra que mudanças só acontecem a partir de bons embates e conflitos nos parlamentos – ou fora deles. E nós, ao contrário de acelerarmos estas mudanças com a força da internet, preferimos nos seduzir por fake news.
Quando tratamos da inclusão da maioria de negros que formam o nosso Brasil, mais dissonância há no tempo presente.
Neste ano de forte crise, ficamos felizes e esperançosos por termos pela primeira vez, negros na maioria das universidades públicas – mas o presente mostra que continuamos falhando, pois o Enem de 2021 foi o mais branco e elitista dos últimos tempos.
Quando falamos de multigerações, as pressões continuam desumanas para todos os lados. A taxa de suicídio entre os jovens que vivem nas grandes cidades brasileiras aumentou em 24%, conforme dados da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), e provavelmente por conta da masculinidade tóxica, que de alguma forma toleramos todos os dias, o suicídio entre jovens do sexo masculino e até três maior.
Os jovens das últimas gerações não toleram viver de forma tão desalinhada com seus valores. Então, é nossa tarefa no presente, falar sobre o assunto, prevenir e cuidar para que eles tenham mais amor e interesse pela vida.
E na outra ponta, as pessoas 50+ carecem da liberdade de envelhecer, ou mesmo de parecerem mais velhas. Prova disso é que o brasileiro é um dos campeões de gastos com cosméticos antienvelhecimento (dados do Euromonitor). A causa parece ser o medo de preconceito e de exclusão por não parecer jovem.
E este é um comportamento predatório que arrastamos do passado, mesmo o futuro já tendo nos provado que apagar nossas marcas não nos faz mais felizes, ao contrário, tem nos trazido angústia e sofrimento. E quando falamos do envelhecimento da mulher então, a pressão mais do que dobra.
Neste caso, o presente nos convida a entender que, em um país tão desigual como o nosso, o envelhecimento está muito mais ligado às condições de vida das pessoas, do que ao tempo do relógio.
A equidade é um caminho seguro para um envelhecimento digno e prazeroso.
Quando olhamos para as PCDs (pessoas com deficiência), concluímos que infelizmente, a pandemia está interrompendo os avanços de inclusão no mercado de trabalho. E nós, ao contrário de explorarmos as possibilidades de inclusão a partir das redes e do mundo virtual, estamos usando a pandemia como pretexto para não cumprir sequer a lei de cotas.
O presente, entretanto, é generoso e nos brinda com iniciativas de empresas e corporações, que incentivam e provocam comunidades empreendedoras com concursos de acessibilidade. Que premiam a criação de ferramentas que ensinam braile e a ouvir descrição, entre tantas outras iniciativas, que estão criando hoje um futuro mais inclusivo para todos.
O presente nos agracia também com lideranças humanistas que atuam no mundo corporativo transformando empresas em espaços seguros e cada vez mais diversos e inclusivos. Segundo elas, a diversidade não muda apenas os resultados financeiros, mas faz o trabalho social de transformação para termos todo um país melhor.
Para que boas mudanças aconteçam, é preciso trabalhar a vontade de agir no presente e buscar o equilíbrio entre querer e fazer acontecer. Porque de nada adianta transferir responsabilidade, delegando, por exemplo, ao “pessoal do RH”, que se esforce, se vire, e contrate pessoas diversas.
Precisamos como indivíduos, provocar, exigir e participar desta mudança de cultura da empresa que trabalhamos, para que possamos ter o mínimo de conversa coletiva, para entender as razões e os benefícios de sermos mais plurais.
Agir no presente é repensar e transformar processos de seleção para atrair as pessoas afetadas pela desigualdade, abrindo mão de exigências de uma segunda língua, da busca de candidatos somente em faculdades renomadas ou até mesmo dispensando a formação superior quando esta não for uma exigência essencialmente técnica.
Agir de forma inclusiva é reconhecer que o instinto de sobrevivência de uma pessoa marginalizadas, sua capacidade de adaptação e de resolução de desafios também são skills, que podem fortalecer e proteger as estratégias corporativas.
Agir no presente é se aproximar e procurar entender que a expectativa de vida de uma pessoa trans é de apenas 35 anos. Que isso acontece pela total exclusão que promovemos com estas pessoas na sociedade e, principalmente, no mundo corporativo.
Temos que agir já, para que possam ter os mesmos direitos aos 75 anos de vida “em média”, que temos. Afinal, o velho passado já nos mostrou que o segredo da vida são as diferentes e múltiplas conexões que podemos fazer no presente. E que a possibilidade de solidão no futuro, ao contrário, mata.
*Ronaldo Ferreira Júnior é conselheiro da Ampro, CEO da um.a #diversidadeCriativa e sócio-fundador com a Pearson Educacional do programa de capacitação MDI – Mestre Diversidade Inclusiva.